‘Comida é uma experiência no coração’

O chef Ashfer Biju não se lembra da primeira vez que esteve em uma cozinha. Mas ainda recorda o sabor dos caranguejos desprezados pelos pescadores, que catava e grelhava, temperando com sal marinho e limão, para se deliciar junto com os primos, nos tempos de criança. Hoje, chef executivo do The Pierre, um hotel sofisticado da rede indiana Taj, em Nova York, ele é um verdadeiro artesão da culinária. Ao ponto de ser elogiado pelo crítico John Mariani, da Revista Forbes, que o considera um dos responsáveis pela ascensão do restaurante do hotel, inaugurado em 1930, na Quinta Avenida, em frente ao Central Park. Mariani definiu a comida de Ashfer Biju como “muito equilibrada, muito colorida, composta com alegria”.

Nascido uma pequena cidade de pescadores no estado de Kerala, no extremo sul da Índia, ele nem chegou a cursar a faculdade de odontologia para que foi aprovado aos 16 anos: mergulhou cedo no ramo dos restaurantes, e aos 17 anos já estava à frente da administração de um restaurante vegetariano. Aos 26 abriu sua primeira casa, a “24 Degrees”, um restaurante pan-asiático nas Maldivas, que até hoje considera seu melhor empreendimento solo.

Aos poucos, foi trilhando o caminho e, depois de se formar no Culinary Institute of America, na Califórnia, ganhou o mundo, abrindo restaurantes em vários países, até mudar-se definitivamente para Nova York, em 2009. Com uma sensibilidade incrível para harmonizar sabores e o conhecimento de especiarias, temperos, aromas e da personalização dos pratos, Ashfer conquista a cada dia o paladar exigente da freguesia norte-americana.

Atento à produção do The Pierre, faz questão de visitar diariamente toda a equipe de colaboradores e acompanhar a chegada dos alimentos frescos, numa rotina que começa por volta das 9h e só termina depois do jantar. Criou as sessões diárias de degustação, em que estimula os membros da equipe a inventar novos pratos e ideias, à medida que a estação muda.

No ano passado, o chef participou do Festival da Índia, uma série de eventos promovidos no Brasil em comemoração aos 150 anos do líder pacifista Mahatma Gandhi. O convite, feito pela Embaixada e consulados da Índia no Brasil, Associação Amigos da Índia, Centro Cultural Swami Vivekananda e pela Câmara de Comércio Índia Brasil, trouxe ao público das cidades de São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro noites de arte, música, dança, cultura e gastronomia.

No Rio, Ashfer Biju surpreendeu o paladar dos cariocas que participaram de um jantar no JW Marriot e nos deu esta entrevista exclusiva:

Como foi a sua primeira vez na cozinha? Você se lembra qual foi o primeiro prato que você fez?

Não me lembro da primeira vez que estive na cozinha. Mas eu me lembro da primeira experiência quando estava cozinhando … eu tinha cerca de cinco ou seis anos quando caminhava pelas margens do rio perto da casa onde morava. Pegávamos pequenos caranguejos que eram jogados fora pelo pescador, pois tinham muito pouco valor para eles e que, na verdade, eram uma ameaça para as redes de pesca. Meus primos e eu criávamos fogueiras e grelhávamos esses caranguejos, temperados apenas com sal marinho e limão. Ainda sinto na boca o sabor da carne de caranguejo assada. (risos)

Muito jovem, com apenas 17 anos, você já tinha um restaurante. Como foi esse empreendimento? Você estava trabalhando com sua família ou foi uma iniciativa independente?

Aos 16 anos, decidi não frequentar a Faculdade de Odontologia para a qual fui selecionado. Meu pai, que também era dono de restaurante, achou que seria melhor eu trabalhar com um amigo dele, em vez de ajudá-lo em seu próprio restaurante. Comecei a trabalhar com o amigo do meu pai, que foi meu primeiro chefe, como caixa, garçom e, eventualmente, cozinheiro. Conquistei a confiança do Sr. Ramakrishnan cuidando de um de seus pequenos restaurantes, quando o gerente não estava por perto. Um ano depois, aos 17 anos, o Sr. Ramakrishnan me pediu para administrar este restaurante sozinho, o que foi uma experiência incrível. Percebi que essa era a minha carreira. Voltei para a escola, mas desta vez para aprender Hotelaria e Catering!

Quantos anos você tinha quando abriu seu primeiro restaurante fora da Índia? E quantos anos você tem agora?

Eu tinha 26 anos quando abrimos um restaurante chamado “24 Degrees” (em homenagem à temperatura mais confortável para os seres humanos), um restaurante pan-asiático nas Maldivas. Eu era um Sous Chef no Taj Exotica Resort & Spa quando abrimos este belo restaurante. Dezessete anos depois (agora tenho 43 anos), ainda sinto que esse foi um dos meus melhores trabalhos!

Como é sua rotina na frente da franquia Taj, em Nova York?

Meu dia começa com uma visita completa às cozinhas e restaurantes por volta das 9h. Aproveito a oportunidade para conversar rapidamente todos os meus colegas e colaboradores de trabalho, observando seu bem-estar. Procuro qualquer coisa que esteja fora do lugar ou não esteja em boas condições e dou instruções para retificações. Depois, passo para a área de recebimento, observando o frescor das entregas. Juntamente com a equipe da loja, analisamos os níveis de estoque de produtos e garantimos que tudo o que entra seja fresco e conforme as especificações.

Antes do início do almoço, verifico meus pedidos de eventos e demandas do escritório (e-mail, telefone etc.). O almoço é agitado por volta das 12h30 e é importante garantir que seja rápido, considerando que a maioria dos nova-iorquinos tem um intervalo de 45 minutos a 1 hora para comer.

Realizamos reuniões com clientes e degustações de cardápios sob medida, para eventos, por volta das 14h, à medida que o fluxo de pessoas para o almoço diminui. Esta é uma parte importante do meu trabalho, pois existe uma grande expectativa dos clientes para ver e discutir seus menus com o chef.

O restante da tarde é dedicado a reuniões e, a partir das 16h, trabalhamos em novos pratos e ideias durante as sessões diárias de degustação. Depois das 18h geralmente verifico a organização de eventos, aperitivos e ajudo a equipe no serviço de jantar.

Como nasceu a ideia das sessões diárias de degustação? E como isso funciona?

É uma ferramenta para incentivar a criatividade na cozinha. E provou ser uma ótima maneira de incluir todos no processo criativo. Encorajo os membros da minha equipe em todos os níveis a apresentar novas ideias e conceitos, à medida que a estação muda.

 O que você quer dizer quando considera Nova York, Londres e Honk Kong como “principais cidades gastronômicas”?

Eu traço muitos paralelos com essas três cidades. Todas elas são muito cosmopolitas e diversas. Eu também gosto da energia dessas cidades, onde tudo é possível. Muitos conceitos novos nascem e tomam forma nelas e os chefs não têm medo de experimentar. Sempre há algo novo para ver / experimentar quando você está em Nova York, Londres ou Hong Kong. E de um ponto de vista muito egoísta (risos), adoro o fato de que a disponibilidade do produto não é um problema em nenhuma delas! 

Você diz que comida é uma experiência no coração. Qual é a ligação entre comida e bem-estar mental?

Chefs felizes criam refeições felizes. É importante criar um bom ambiente de trabalho na cozinha. Cozinhar pode ser um trabalho muito estressante. Mas também é uma profissão muito gratificante. É importante lembrar às pessoas que escolheram essa carreira que fizeram a escolha certa, criando uma atmosfera alegre e viva.

Infelizmente, as cozinhas estão cheias de histórias em que a pressão tira o melhor de chefs e cozinheiros. Os líderes precisam enfrentar esse problema e trazer mudanças, nutrindo talentos, ambições e garantindo algum nível de equilíbrio entre vida profissional e pessoal.

Fazer comida é como criar uma pintura ou tocar música. Você não esperaria música melodiosa de um pianista estressado.

Qual é o seu próximo desafio?

Estou escrevendo meu primeiro livro de receitas. Fique ligado em @ashferbiju no instagram e twitter.

Por Márcia Miranda
https://www.linkedin.com/in/m%C3%A1rcia-miranda-60327637/

Related links: https://abcnews.go.com/Business/video/meet-friends-face-face-chef-social-club-24604096

English

Chef Ashfer Biju does not remember the first time he was in a kitchen. But he still remembers the taste of the crabs despised by the fishermen, which he collected and grilled, seasoned with sea salt and lemon, to be enjoyed together with his cousins, in his childhood. Today, executive chef at The Pierre, a sophisticated hotel owned by the Indian Taj chain in New York, he is a true culinary artisan. To the point of being praised by critic John Mariani, of Forbes Magazine, who considers him one of the responsible for the rise of the hotel’s restaurant, opened in 1930, on Fifth Avenue, in front of Central Park. Mariani defined Ashfer Biju’s food as “very balanced, very colorful, composed with joy”.

Born in a small fishing town in the state of Kerala, in the extreme south of India, he didn’t even go to dental school for which he was approved at 16
years: he plunged into the restaurant business early, and at 17 he was already ahead managing a vegetarian restaurant. At 26 he opened his first home, “24 Degrees”, a pan-Asian restaurant in the Maldives, which even today he considers his best solo venture.

To few, followed the path and, after graduating from the Culinary Institute of America, California, won the world, opening restaurants in several countries, until he moved permanently to New York in 2009. With a sensitivity incredible to harmonize flavors and knowledge of spices, seasonings, aromas and the customization of the dishes, Ashfer conquers the palate every day demanding of the North American parish.

Attentive the production of The Pierre, makes a point of visiting the entire team of employees and monitor the arrival of fresh food, in a routine that starts around 9 am and only ends after dinner. Created daily sessions tasting, where it encourages team members to invent new dishes and ideas as the season changes.

Last year, the chef participated in the Festival of India, a series of events promoted in Brazil to celebrate the 150th anniversary of the pacifist leader Mahatma Gandhi. The invitation, made by the Embassy and consulates of India in Rio de Janeiro, Association of Friends of India, Swami Vivekananda Cultural Center and the India Brazil Chamber of Commerce, brought to the public of the cities of São Paulo, Belo Horizonte and Rio de Janeiro nights of art, music, dance, culture and gastronomy.

In Rio, Ashfer Biju surprised the taste of Cariocas who participated in a dinner at JW Marriot and gave us this exclusive interview:

How was it your first time in the kitchen? Do you remember what was the first dish that you did?

I don’t remember the first time I was in the kitchen. But I remember the first experience when I was cooking … I was about five or six years old when he walked along the banks of the river near the house where he lived. We took small crabs that were thrown away by the fisherman, as they had little value to them and that, in fact, were a threat to the networks of fishing. My cousins ​​and I would create campfires and grill these crabs, seasoned only with sea salt and lemon. I can still taste the meat in my mouth of roasted crab. (laughs)

Very young, just 17 years old, you already had a restaurant. How was this venture? Were you working with your family or was it an independent initiative?

At the age of 16, I decided not to go to Dental School for which I was selected. My father (who was a restaurateur himself) decided that it would be best for me to work with a friend of his (rather than helping him at his own restaurant). I started working with my father’s friend (who was my first boss) as a cashier, food server & eventually cook. Soon, I would create a good impression on Mr. Ramakrishnan as I took care of one of his small restaurants when the manager was not around. An year later, at 17, Mr. Ramakrishnan asked me to run this restaurant on my own which was an amazing experience. I realized that this was my chosen field to advance my career. I went back to school, this time learning Hospitality & Catering!

How old were you when you opened your first restaurant outside India? And how old are you now?

I was 26 years old when we opened a restaurant named “24 Degrees” (named after the most comfortable temperature for human beings), a Pan-Asian restaurant in the Maldives. I was a Sous Chef at the Taj Exotica Resort & Spa when we opened this beautiful restaurant. 17 years later (I am 43 now), I still feel that this was one of my best works!

How is your routine at the head of the Taj franchise, in New York?

My day starts with a full round of my kitchens & restaurants at about 9:00am. I take the opportunity to say hello and quick meet all my fellow associates and ask their wellbeing. I look for anything that is out of place or not in good order and give instructions for rectifications.
Then, I proceed to receiving area where I spend some time looking at freshness of deliveries. Along with the store room crew, we look at stock levels of products and make sure everything that comes in is fresh and is as per specifications. Before Lunch starts, I take time to check on my Event Orders and office communications (email, phone etc). Lunch gets busy around 12:30pm and it is important to ensure quick lunch considering most New Yorkers have a 45 min – 1 hr Lunch break. I also review Banquet Events for Lunch and assist the Banquet Chef in execution. We do our Client meetings and Banquet tastings at around 2pm as the Lunch slows down. This is an important part of my job as a lot of clients would like to see and discuss their menus with the chef.
3:00pm is a time that is dedicated to meetings (anything from a F&B Dept Meeting to Labor Optimization meeting – the most boring part of my job – but absolutely necessary to run a good business!) After 4pm, we work on new dishes and ideas. I encourage my team members at every level to come up with new ideas and concepts as the season changes. We now call these the daily tasting sessions…
I also use this time to check on the afternoon tea service in our lounge. I try to be there for the start of dinner service in the restaurant line at about 5:30pm. Once or twice a week this is preceded by meeting with the service team to explain a dish or two (and to answer any questions they may have). It is also important to get feedback from servers about what the guests are saying! I would normally go to Banquet areas after 6pm to check on event set ups, appetizers and also help out the Banquet Chef in execution of his dinner service daily.

How was the idea of the daily tasting sessions born? And how does it works?

It was created as a tool to encourage creativity in the kitchen. It has proven to be a great way to include every member of my team in the creative process.

What do you mean when you consider New York, London, and Honk Kong as “top food cities”?

I draw a lot of parallels to these 3 cities – starting with them being very cosmopolitan and diverse. I also like the energy of these cities where everything is possible. A lot of new concepts are born and taken shape in these three cities. Chefs are not scared to experiment and there is always something new to see / try out when you are in NYC, London or HK. From a very selfish point of view, I love the fact that product availability is not a problem in any of these cities.

You say food is an experience at heart. What is the link between food and mental well-being?

Happy chefs create Happy meals. It is important to create a good working environment in the kitchen. Cooking can be a very stressful job. But it is also a very rewarding profession. It is important to remind people who chose this career that they did the right choice by giving an atmosphere that is happy and alive.
Unfortunately, kitchens are full of stories where the pressure gets the better of chefs & cooks. The leaders have to take this problem head on and bring change by nurturing talent, ambitions and ensuring some level of work-life balance. Making food is indeed like creating a painting or playing music. You wouldn’t expect an piano player to deliver melodious music while being aggravated.

What is your next challenge?

I am in the process of writing my first cookbook. Stay tuned at @ashferbiju on instagram & twitter.

Written by Márcia Miranda
https://www.linkedin.com/in/m%C3%A1rcia-miranda-60327637/

Deixe um comentário